A Alegria na Cultura Brasileira – Nosso Idioma
Todos os anos, recebo alunos de várias partes do mundo para intercâmbio de 6 meses ou 1 ano na Universidade de São Paulo. São falantes oriundos de vários países interessados em aprender o português do Brasil. Os chineses são sempre mais numerosos do que os ingleses, franceses, norte-americanos, guineenses, etc.
As questões interculturais são invariavelmente motivo de alegria, excitação e também de repúdio em alguns casos. Analisemos melhor essa questão à luz dos postulados das teorias sobre interculturalidade. Nesse viés, há consenso sobre fases dos contatos interculturais: 1. encantamento; 2. saudade; e 3. integração. Quando esses jovens chegam, encantam-se menos com a paisagem natural que pensavam existir e mais com o convívio com brasileiros. A alegria, a comida, a qualidade das frutas, os sucos naturais, o café que só em terras brasileiras (ou em casas brasileiras no exterior) experimentamos, o pãozinho francês, o céu azul (a grande surpresa chinesa), o céu estrelado (segunda maior surpresa chinesa), tudo é muito interessante. Amizades são feitas, passeios são realizados e o tempo voa. Pouca saudade de casa se manifesta.
Aproximadamente no quinto mês de convívio intenso, começam a sentir uma abstinência enorme da comidinha de casa. É nessa fase que buscam andar com conterrâneos, que identificam lugares típicos de sua terra natal. Inicia-se um período mais crítico com relação ao comportamento de brasileiros. A comparação entre culturas é inevitável. Na terceira fase, passados aproximadamente oito meses, passam a conviver melhor com as diferenças. Passam a identificar os espaços de conflito e a saber os modos de os evitar. Passam a usufruir melhor da cultura local preservando sua essência cultural íntegra. Esse é o momento da integração, em que se descobre o óbvio: fazer parte de outra cultura não pressupõe apagar sua história, seus hábitos e sua identidade. Também requer saber que a diversidade é benéfica, que o diferente não deve ser visto como “desastre”, mas como efeito resiliente, como força adaptativa.
Quando perguntamos o que de peculiar tem o brasileiro, referem invariavelmente a alegria. Entender por que o povo brasileiro é alegre e parece feliz com tantos problemas no entorno parece ser uma estratégia interessante de compreensão da brasilidade. Se essa felicidade é o motivo do encanto inicial, é também o motivo da irritação num momento posterior de convivência. Mas a alegria brasileira só pode ser compreendida em toda a sua extensão quando se descobre que é a alegria um indício de que os laços são mais fortes, e que o sorriso dá vazão à amizade, ao espírito fraternal. Sem alegria não é possível alimentar relações pessoais no Brasil. Essa foi a grande descoberta de Pedro Álvares Cabral, relatada por Caminha: a alegria é essência do povo brasileiro.
Profa. Dra. Maria Célia Lima-Hernandes, formada em Letras, Especialista em Gramática do Português , Mestre em Filologia e Língua Portuguesa, Doutora em Linguística Teórica, Pós-doutorada pela Universidade de Macau, mestranda em Neurociências. Desenvolve pesquisas sobre cognição e linguagem e sobre o português de herança na China. Professora da Universidade de São Paulo, pesquisadora do CNPq e da FAPESP, e membro da AOTP.