O português é uma língua mal falada? – Nosso Idioma
Recentemente surgiu uma discussão em nosso grupo de professoras de português para estrangeiros sobre alguns aspectos curiosos em relação a como os alunos percebem a nossa língua. O fato é que eles muitas vezes estranham certas expressões e têm dificuldade de entender como utilizá-las corretamente.
Uma das professoras iniciou a conversa contando sobre a dificuldade de alguns de seus pupilos em compreender o uso da expressão “a gente” no lugar de “nós” — como em “A gente gosta de festa” ao invés de “Nós gostamos de festa”. Eles ficam surpresos com essa utilização, principalmente os hispanofalantes, para quem “la gente” significa apenas “as pessoas”. Para complicar ainda mais, “a gente” concorda com o verbo na 3ª pessoa do singular, e não com a primeira do plural, como ocorre com “nós”. E ainda há a palavra “agente”, que possui a mesma pronúncia, mas com significado diferente… Dá para entender a dificuldade deles, não dá?
Ainda sobre esse mesmo exemplo, outra colega conta que seus alunos afirmam ser o português uma língua mal falada, que estamos agredindo nosso idioma e alguns até desconfiam se a professora está mesmo certa, quando explica as diferenças entre a linguagem formal e a popular!
Essa resistência a certas características de uma nova língua é natural e costuma vir daqueles que ainda não a absorveram culturalmente. Qualquer idioma novo causa esse tipo de estranheza no aprendiz, quando este já sabe um pouco, mas não o suficiente para “pensar e sentir” no novo idioma. A tendência é sempre comparar e traduzir tudo, tendo como paradigma a língua que domina, mas como nem tudo tem tradução possível, aí vem a rejeição. É apenas uma questão (ou a falta) de intimidade com a língua que se está aprendendo.
Como professores de português para estrangeiros, precisamos ensinar não só o que faz parte da norma culta, formal, mas também as gírias, expressões típicas e regionais, uma vez que isso é parte do repertório coletivo e é o que os estudantes irão encontrar quando interagirem com os falantes nativos. Quantos de nós não sabemos a dificuldade que é entender um idioma que não é o nosso, que se aprendeu apenas na escola ou num curso de línguas, logo que chegamos nos Estados Unidos, por exemplo?
Uma língua não é só feita de gramática, mas de costumes e aspectos culturais muito característicos, e nosso papel como professores é o de ensinar o idioma completo, com todas as suas cores e nuances.
*Heloísa Sá é jornalista e professora de português para estrangeiros no The Global Institute of Languages and Culture, Inc.