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Cara-a-cara: o português e a interação humana


Este fim de semana (este texto foi escrito no final de setembro) fui para Philadelphia para ver o papa Francisco. O papa esteve seis dias visitando os Estados Unidos e mais de um milhão de pessoas foram a Philadelphia para vê-lo. Entre este milhão estive eu e estiveram cinquenta moçambicanos. Nós nos conhecemos na estação de trem de Princeton junction e embora não tivéssemos nada em comum começamos a ser amigos rapidamente. Por quê? Porque assim que ouvi que eles eram de Moçambique perguntei, “Então vocês falam português?” Um grande sorriso de surpresa apareceu nas suas caras e começamos a falar.

Na nossa aula temos falado sobre o português como uma língua internacional e dos grandes benefícios que traz para os países lusófonos, mas mais além das oportunidades econômicas e geopolíticas, acho que compartilhar uma língua também tem valor ao nível mais simples da comunicação e interação humana; algo que muitas vezes é esquecido. O português não só cumpre a função de transmitir ideias entre dois seres vivos, também logra ser uma ligação exclusiva que transcende diferenças culturais e compartilha mais do que euros e reais.

O escritor português José Ribeiro e Castro escreveu vários artigos sobre o português por ocasião da comemoração dos 800 anos da língua, e um deles é titulado “Língua portuguesa, recurso fabuloso”. Este artigo fala de maneira poética dos bens e das riquezas de falar português, mas os elogios não chegam até o ponto de interação humana. Fala do PIB português e de um “networking lusófono” mas não apresenta o enfoque básico e quase filosófico de ter a chave para poder-se comunicar com uma pessoa completamente nova. Qualquer língua poderia criar essa ligação entre dois seres racionais, mas o português o logra de maneira especial precisamente porque não é tão comum. Parte do que faz falar português com alguém novo tão incrível é precisamente que não é a língua mais comum do planeta. Sim, há 300 milhões de pessoas que falam português, mas muitas delas estão concentradas em lugares muito específicos como alguns grandes países na África e Brasil. No resto do mundo, na Europa e nos Estados Unidos, é uma surpresa e quase uma joia chocar-se com alguém que também fala português.

Quem tem a sorte de tropeçar em outro lusófono não precisa de relacionar-se com a cultura da outra pessoa. No documentário "Língua: vidas em português” fala Teresa Salgueiro, uma cantora portuguesa que mora no Brasil, e diz que “também não posso dizer que há uma identificação total [entre o Brasil e Portugal] porque são culturas completamente diversas”. Diz que têm uma vontade de chegar a compreender o outro mas há uma separação, como sempre haverá entre pessoas de lugares e histórias diferentes. Embora haja uma diferença, ela continua dizendo que o idioma é o que faz a interação possível porque, “eu acho que também é o que nos liga, na mesma língua”. Quando eu estava esperando o meu trem, não tinha nada em comum com os moçambicanos, além da língua portuguesa. O simples fato de que foi possível entendermo-nos uns aos outros ocasionou um momento de intimidade (especialmente porque ninguém mais nessa estação podia participar dessa experiência conosco).

Talvez seja chato dizer que a língua é parte do que significa ser homem, mas além do status do português na ONU ou das novas edições das gramáticas publicadas depois do Acordo Ortográfico, é bom lembrar que o português e um incomparável recurso humano.

*Sergio Leos é estudante de português na Princeton University.

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